MEMÓRIAS DA LOUCURA: ARQUIVO, TESTEMUNHO E ARTE
A tese de Doutorado de autoria de Mariana Zabot Pasqualotto e orientada pela Professora Andréa Vieira Zanella foi defendidada no ano de 2020 e tem o seguinte resumo:
Esta tese fala sobre reescrituras e (re)coleções produzidas ou visibilizadas no confronto com os arquivos produzidos do poder psiquiátrico e a sua arquitetura manicomial. Arquivo que – composto pela estrutura física dos pavilhões manicomiais, pelos saberes e técnicas que conduziram às práticas e tratativas coercitivas, a pessoas com diagnóstico psiquiátrico, por fotografias, prontuários e outros registros textuais – se pretende monológico, pois se baseia em um discurso de verdade, pautado na patologização, medicalização, burocratização e disciplinarização dos corpos. Em tensão a esse arquivo, faço ver nesta tese registros da existência e resistência de vidas diante da clausura, arquivo este formado por silêncios, lacunas, cinzas, gritos, murmúrios, produções estéticas e pelos efeitos que foram produzidos na pesquisa em contato com tais corpos ou com os vestígios de si. Distanciando-se de uma perspectiva monológica do arquivo, esta tese atenta para a diversidade de vozes e tempos que compõem a reescrita e as metamorfoses das histórias dos arquivos. A pesquisa teve no conceito de coleção proposto por Walter Benjamin uma inspiração metodológica para esta tese: assim como Arthur Bispo do Rosário, que inventariou, (re)colecionou e “desloucou” as coisas consideradas sem valor descartadas pela cidade, a pesquisa se guiou pela perscruta dos resíduos, cinzas e rastros que sobraram da existência de antigos manicômios; ruínas de violências, ruínas das resistências de vidas contra o choque com o poder. A flânerie também foi outra inspiração para estar nas cidades e perscrutar diferentes museus, espaços e arquivos, a saber: o arquivo relacionado ao Abrigo Municipal de Alienados Oscar Schneider, em Joinville/SC; os espaços de ex-manicômios italianos, a partir da experiência de estágio sanduíche no exterior; e o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro. Nesses lugares praticou-se um caminhar atento aos pequenos sinais de irrupções de tempos de outrora em seu diálogo com o “presente” e recolheu-se – a partir de fotografias, anotações em diário de campo e inscrições de afecções no corpo da pesquisadora – cenas, imagens, acasos, durante os percursos. Eis o que se apresenta, pois, nesta tese: a constelação crítica produzida a partir de fragmentos recolhidos em diversos arquivos da loucura. Uma coleção formada a partir das afecções do corpo da pesquisadora com as ruínas das memórias da loucura. Esta tese teceu fragmentos de imersões espaço-temporais diferentes no campo temático, físico e virtual, marcado pela produção de arquivo da loucura e traz como resultado o apontamento ético sobre a importância de se recolher de forma crítica as ruínas de tragédias passadas e aquelas que atualmente ainda se acumulam diante de nós, resultantes da violação dos diretos humanos de vidas marginalizadas pela produção da loucura. A tese se funda na deia de que recolher de forma crítica tais ruínas é direcionar atenção a como esse passado presentifica-se em constante confronto, atualizar e (re)colecionar os arquivos dessa história, elaborar lutos e impulsionar a inscrição de memórias outras para definir estratégias a favor de novos possíveis.
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